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Dez anos depois, anulações e absolvições já favoreceram mais de 60 réus da Lava-Jato

Brasil – A decisão favorável ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral nesta semana, que anulou três de suas condenações na Lava-Jato, soma-se a uma série de reveses impostos à operação em tribunais superiores do país. Desde a primeira fase, deflagrada há dez anos, ao menos 61 réus conseguiram reverter sua situação jurídica a partir de anulações e absolvições nas instâncias recursais ou ao serem alcançados por indulto presidencial.

Os dados são de um levantamento do GLOBO, feito mediante consultas públicas, em 138 processos cujos desfechos nas instâncias superiores vieram acompanhados de decisões que beneficiaram de políticos a empresários que foram alvos da operação.

Os casos mapeados envolvem, ao todo, 109 diferentes réus da Lava-Jato. A falta de competência de foro foi o motivo que levou a anulações em 87 dos 138 processos analisados (63%). Em 26 casos, houve absolvição em segunda instância, e em 13 as provas acabaram anuladas. Além disso, cinco condenados que se enquadravam nas regras de um indulto natalino concedido pelo então presidente Michel Temer (MDB) em 2017 tiveram essa situação reconhecida pelo Poder Judiciário.

A contestação aos tribunais que assinaram as sentenças iniciais levaram a Justiça a anular condenações contra políticos como o próprio Cabral, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

— A competência jurisdicional segue a regra determinada pelo lugar em que a infração teria sido cometida. No caso da Lava-Jato, havia crimes por todo o país, mas Sergio Moro (à época, juiz federal no Paraná) se valeu do princípio da conexão para alegar que todos os casos deveriam ser julgados por Curitiba. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entenderam que não havia ligação entre os casos e, por isso, não poderiam tramitar em Curitiba — diz o especialista em Direito Penal, Leonardo Watermann.

Uma mudança de entendimento do STF em 2019 também permitiu que inquéritos fossem transferidos para a Justiça Eleitoral. No caso, a Corte decidiu que esse deveria ser o foro para julgamentos de denúncias de caixa 2, mesmo nas investigações derivadas de delações premiadas de executivos da Odebrecht e UTC.

As condenações de Lula

Após ficar 580 dias preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, os advogados de Lula conseguiram anular as condenações nos casos do sítio de Atibaia e do tríplex do Guarujá, além dos dois processos envolvendo o Instituto Lula, que não chegaram a virar sentenças. A avaliação da Corte foi de que os processos deveriam ser recomeçados nas justiças federais de São Paulo e do Distrito Federal. Na ação referente ao tríplex, Moro foi considerado suspeito.

A parcialidade de Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa da Lava-Jato foi o mais duro golpe imposto à operação. Ela motivou interferências antes mesmo da condenação, como no caso do ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), que teve um de seus processos anulados pelo STF.

A falta de competência anulou outras ações de políticos, como a de Eduardo Cunha, que chegou a ser condenado a 15 anos e quatro meses, e a do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci, ambos acusados de receber propina. Com as anulações, os processos precisariam ser reiniciados.

— O problema de voltar do início é a prescrição. Se for oferecer denúncia hoje, provavelmente todos os crimes já prescreveram — diz o criminalista Thiago Jordace.

Em junho de 2019, o site The Intercept iniciou a divulgação de troca de mensagens entre Moro e os procuradores, encabeçados por Deltan Dallagnol. Os diálogos levaram a recursos das defesas contra os processos nos tribunais, sob alegação de que Moro não teria se portado de forma imparcial como pede o rito de um julgamento.

A suspeição do ex-juiz ocorreu ainda em outros processos, como no caso de Sérgio Cabral, que ainda soma mais de 400 anos de prisão em condenações. Apesar das grandes penas ainda em vigor, o ex-governador teve cinco êxitos na Justiça. Um deles é referente a uma ação de Curitiba, que tratava sobre o recebimento de propina no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), mas o julgamento foi considerado parcial em decisão de um dos maiores antagonistas de Moro, o juiz afastado Eduardo Appio.

Entre os políticos, contudo, o caso do ex-governador do Rio Luiz Fernando Pezão se diferencia dos demais. Condenado a 98 anos e 11 meses de prisão em decisão do juiz Marcelo Bretas, Pezão conseguiu reverter todas as sentenças no STF. Inicialmente, o TRF1 havia considerado o ex-governador culpado pelo período em que exerceu as funções de secretário de Obras e vice-governador na gestão de Cabral. Segundo a ação, ele teria recebido pagamentos ilícitos em 84 ocasiões.

Sem julgar o mérito, o Supremo identificou que Bretas havia plagiado uma sentença de Moro e ignorado os argumentos da defesa de Pezão.

Além disso, políticos citados durante a operação Lava-Jato chegaram a responder processos que, posteriormente, foram anulados ou arquivados sem que tivesse tido uma condenação. Este é o caso de nomes como o ex-presidente Michel Temer (MDB), o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), e o deputado federal Aécio Neves (PSDB). Há duas semanas, o STF arquivou, por falta de provas, um inquérito em que Aécio respondia por corrupção passiva e tentativa de obstrução judicial das investigações. A ação foi instaurada após a delação premiada do ex-presidente da Construtora OAS Léo Pinheiro, que indicou que o então senador havia recebido propina entre 2010 e 2012.

Paes, por sua vez, teve suas provas anuladas pelo acordo de leniência da Odebrecht, que foram consideradas contaminadas. No caso de Temer, o ex-presidente era réu de ações por desvios nas obras da usina nuclear de Angra 3 e por peculato nas operações ligadas às empresas Engevix, AF Consult e Argeplan. Os procedimentos que tramitavam nos tribunais federais do Rio e de Curitiba foram anulados por falta de competência.

A primeira anulação

A primeira anulação de uma condenação da Lava-Jato ocorreu em 27 de agosto de 2019, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisou o caso do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, sentenciado a 11 anos de prisão por Moro.

O argumento usado pela Corte se restringiu a uma questão técnica — o cerceamento de defesa. Acusado de ter recebido R$ 3 milhões de propina da construtora Odebrecht, Bendine foi obrigado a apresentar seus memoriais ao mesmo tempo que os delatores. O Supremo teve o entendimento de que ele deveria ter sido o último a se manifestar na ação. O posicionamento inédito do STF deu origem a uma movimentação em cascata, abrindo precedentes para que outras condenações fossem anuladas dentro e fora da Corte.

Fonte: O Globo

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